F* CÂNCER
Marina da Silva
Ô merda! Merda! Merda! E eu que fui feliz para a consulta de controle com mastologista pensando apenas numa cirurgia para retirar uma hernia no abdome. Aguentei muita piada por estar barriguda, grávida e uma moça debochou de mim porque ela achava uma piada, eu, na academia com personal e com aquele barrigão. No início achei que estava gorda mesmo, depois o trem não sumia com quatro séries de 25 abdominais e nem com cintas; larguei a academia. Assumi a barriga grávida e na pandemia descobri que era uma hernia. Mas antes...
Uma coisa é você estar gorda, gordinha, outra é você se olhar no espelho e ver um caroço na barriga. Eu não me olho no espelho nua, tenho medo de ir parar no inferno com a pastora damaris alves que anda com umas tretas com o capeta, mas na pandemia lembrei que no carnaval vi algo esquisito na foto e um dia dumeidunada fiquei em pelo pesquisando o trem na barriga, aí vi o caroço e entrei em pânico, pirei o kbção. Em 2021, vacinada com três doses fui ao oncologista, Dr. Eduardo:
"É hernia!" Só no olho.
Informei para o psiquiatra do trem; ele fez um exame físico:
"É só uma hernia!" Só no olhômetro. Eu fiquei feliz:
"Beleza, é só uma hernia, eu dou conta de uma hernia. Se nascer menina-mulher vai se chamar Hérnia." Fiz muita pilheria sobre isto.
Janeiro de 2022. Consulta retorno com Dr. Gabriel, mastologista, falei da hernia. Ele levantou da cadeira, fez exame no local, apurou o olhômetro e deu o veredito:
"É hernia"!
E lá fui eu trocar de roupa, vestir a camisola, deitar na cama ginecológica para ECM- Exame Clínico das Mama e coleta de material do útero para o papanicolau. Sai de lá com todos os pedidos de exames de rotina e fi-los entre Fevereiro e Março. Voltei Abril para entrega de resultados:
*Ultrassom de parede abdominal ok, a hérnia está lá;
*Abdome total tudo ok, os trem lá dentro estão nos conformes e meu fígado permanece com uma esteatose leve;
*Ultrassom endovaginal e está tudo legal com meu colo do útero, papanicolau ok;
*Mamografia digital e ultrassom de mama...
O mastologista me pediu para me trocar, vestir camisola para fazer ECM.
"De novo?"
Fui, me troquei, ele me examinou sentada me-ti-cu-lo-sa-men-te como sempre.
"Pode se trocar."
No banheiro pensei: "Aí tem!"
Voltei para a sala, sentei-me e despistadamente peguei os exames para ver o que deu e claro não tinham nada além de linguagem médica e... eu estudei Geografia, Direito do Trabalho, Psicologia do Trabalho. Mas vi um Birad's ... e lá se foi meu cú-pra-mão! Então Dr. Gabriel fez algo inesperado; ficou andando pelo consultório, deu-me um livro sobre fazendas de café lindamente encadernado e me mostrou uma caricatura de sua pessoa feita por alguém, não lembro se paciente ou amiguix e que eu já conhecia.
"Ele está me distraindo e vem bomba! Aqueles dedos acharam um trem na minha mama esquerda." Então do dumeidunada e de lugar nenhum soltei a primeira coisa que me veio a boca:
"Vamos partir logo para a mastectomia radical."
Ele se voltou e guardou a caricatura, riu sem graça, perguntou sobre minha filha (outra pista de que tem um trem errado na mama) e me falou de suas impressões dedológicas do ECM porque os exames não deram nadica de nada - eu li. "Sim o trem voltou - pensei
"Vamos falar da mastectomia?" Insisti.
"Dona Marina, a senhora me deixa cuidar de você? Vamos fazer uma ultrassonografia guiada e ressonância magnética. Na próxima consulta venha com sua filha."
"Tem um trem na mama e só foi percebido pelo dedos e anos de diagnosticador do perrengue" - eu pra mim mesma e por mais absurdo que seja, tranquila e leve. Marquei os exames e me prometi não entrar em pânico e deixar o medo me dominar como da primeira vez e sair pagando exames cobertos pelo plano.
"Não vou acelerar nada, não vou correr com nada porque pagar não vai alterar o diagnóstico." Fiz tudo no dia e hora que a clínica me ofereceu. Só pensava: "Eitcha Deus! De novo?"
Nos resultados veio que realmente tinha um trem, o trem era O trem e estava localizado entre 11 e 13 horas. Minha filha estava comigo e veio mais exames para fazer para confirmar GPS-Global Position Sistem do trem: tomografia, cintilografia, mamografia guiada patati-parará-tururú e a MAMOTOMIA (tudo maiúsculo, porque este exame merece um capítulo a parte, mas adianto que é INDOLOR).
Estes novos exames fi-los numa clínica nova e conheci uma super médica diagnosticadora: Dra. Tereza. Ela achou o trem às 14 horas, mostrou-me imagens, a anormalidade, deu explicações, falou da necessidade da mamotomia para fazer uma biopsia e confirmar o que era o trem; pedi que ela a fizesse. Linda, simpaticíssima e lembrou-me, como diagnosticadora, Dr. House, da série de mesmo nome. Muito culta, educada e me deixou super calma e tranquila para a mamotomia, exame que Dr. Gabriel pediu após o laudo do ultrassom. E lá vem mais exames, consultas com cardiologista para risco cirúrgico, anestesista, uma novidade que amei, cirurgião de mamas, oncologista, novo exame de sangue que acusou umas alterações nuns trem do fígado e hemoglobina baixa, uma anemia porque praticamente parei de me alimentar para além de pão de queijo, café e porcarias.
Decidi fazer tudo sozinha, convenci minha filha e o motivo? No primeiro perrengue na mama D, eu dei um trabalhão danado para todo mundo, quase matei a família. Desta vez ia ser diferente. Estou sozinha e Deus no controle; criei um mantra: "Só vou surtar e entrar em pânico em 2060." Meu comportamento desde o primeiro retorno e novo exame clínico das mamas em Maio só tinha uma função: bloquear pensamentos negativos, ideias malucas que chamo de metástases psicológicas.
"Putaquipariu!Putaquipariu! Putaquipariu! PU-TA-QUI-PA-RIU!"
"Bem, vou fingir que não tem nada, não tenho nada, nada está acontecendo. Então fui ficando caladinha, dentro da toca e com medo de falar do trem e CABRUMMMM! Tudo vira verdade, o medo me pega e ferra tudo!
"Putz Deus! Pensei em brigar com o Pai do céu, mas não era uma boa ideia porque agora era só eu e Deus. Como é que vou ter cara de me queixar, choramingar, falar qualquer coisa se fiz o maior quiprocó e choraminguei e me descabelei fazendo um dramalhão mexicano no perrengue de 2001, quando descobri o trem na mama direita? Serei e terei de ser forte, controlada, segura, inteligente, racional, alegre, forte e feliz 24H todos os dias. Alguém consegue bater esta meta? Lembrei de uma canção católica:
"Deus quer falar contigo, em coisas tão pequenas, nas coisas simples..." Falei isto para minha irmã Tituca e ela me saiu com esta:
"Uai? Por que Deus não enviou um MSN , um "zazapis"?" Não estava falando do trem na mama esquerda, estava dando um conselho a ela.
"Uai, né mesmo? Deus podia me chamar no Twitter, Instagram, Facebook..." Parei de usar as redes sociais, depois voltei, mas muito pouquinho. Só uso mais o What'sApp e sempre no "mantra": "eu estou legal, estou ótima, estou forte, está tudo bem, já passei por isto antes, já deu certo." Vai que cola? E sim, co-lou! E me ajudou bastante e ajuda. Colou na fase exames, uns quatro meses; colou no dia D, after mamotomia quando quase caí de costas ao ver minha mama "preta"; colou na confirmação de que o trem era mesmo O trem e eu estava no perrengue câncer de novo.
"Tudo bem, todo mundo finge alguma coisa, tem gente fingida de verdade, mas meu fingimento "cú-na-mão" é digno de um Oscar. Até eu acredito em tudo que finjo. Graças a Deus!"
"Fala para ela - minha filha estava em Nárnia - que estou com câncer." Eu para Dr. Gabriel e ele:
"Nossa, quanta maturidade dona Marina!" E sorriu da minha calma (bege, oca, chocada, interditada - eu por dentro) e falou com toda a linguagem técnica médica lendo o laudo da biopsia: "carcinoma invasivo, mama esquerda" e bláh."
"Não vou desmaiar nem escrever livro." Pilheriei. E lembramos da primeira vez que ouvi o diagnóstico câncer de mama em fevereiro de 2002.
"Passe tudo para mim, estou legal e eu mesmo marco tudo, minha chefe me liberou para o que precisar."
Se a menina está em Nárnia, melhor deixá-la lá, decidi. Melhor, vou mandar todo mundo para Nárnia. Sim, o bagulho é doido então sou do bonde Pesadão da Iza. Vou ser outra pessoa, SIA, Unstoplable, um Porsche sem freio e vou fazer tudo ao contrário do que fiz na primeira vez; nada de dar trabalho a ninguém.
"Gentix, eu ando dançando, vendo filmes, séries, ouvindo músicas, cantando, indo ao Mineirão, rachando o cú na cerveja e sorrindo?" Falei tudo para a terapeuta. Ela aprovou a estrategia; se está funcionando para mim, tudo bem. Mas me alertou da "Queda"...
"Eu decidi que só posso cair aqui, no divã." Ela me aconselhou socializar, falar, comunicar. E eu:
"Não vai dar não! Se eu permitir sentir qualquer coisa, chorar, vou desabar. Não. É eu e Deus."
Então Deus me enviou um anjo, Denise Paiva, um anjo no perrengue, fase quimioterapia, mulher trabalhadora e que sempre me inspirou. Uma amizade e amor que veio do perrengue em 2012. Aliás é o anjo de todas as mulheres dos grupos de apoio. Claro que questionei Deus:
"Seu anjo está no perrengue há dois anos e não é o primeiro perrengue dela."
É, eu conversava e converso muito comigo mesma e com Sammy, minha samambaia que quase matei colocando borra de café como adubo. Se é para falar vou falar com a família. Escolhi minha irmã mais nova para passar as news para a família toda, escolhi o "zazapis" e bora ser o que sou:
"Eu sou madura, forte, tenho muita fé em Deus, Jesus, Maria Santíssima, São Geraldo. Eu já passei este perrengue e sei como é tudo e diz o ditado que peru avisado não morre de véspera."
E todos me acham forte, madura, confiante e na verdade, sim, me sinto forte, madura, consciente, com o cú-na-mão, mas madura, forte, consciente e preparada para o que der e vier porque estou nas mãos de Deus. Ai fui à perícia do plano e a insistência do perito em chamar as calcificações na mama direita de nódulos me jogou no limbo; dei uma fraquejada e minha capa de super heroína ficou estraçalhada. Cheguei na terapia e me joguei no divã e chorei horrores e falei de ideia maluca que tive esperando na janela e desabafei. De repente, levantei, fui para a cadeira:
"Pronto, xô Marina fraca, chorona! Volta a mulher forte, impossível, intocável, Unstopable." Fui aconselhada novamente a socializar. Parei de ir na terapia. Fiquei com medo do divã-fraqueza, divã-medão e divã-choro e das ideias malucas.
"Eu preciso falar o que sou, pensar o que falo e viver o que penso e falo: sou forte, confiante, segura, tenho muita fé e afinal entrei para o bonde pesadão!" E eu que falei que não ia escrever sobre o perrengue voltei a usar a escrita como terapia cronicando sobre o tema.